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Foto do escritorLevi Rodrigues

Segunda atualização de Jardim de Inferno.

Pesadelos, sonhos, fantasias e a quarentena.


Escritores de ficção narram histórias que podem ser consideradas mentirosas, mas isso não quer dizer que só contamos mentiras. Não é assim que a ficção funciona. Então, eis aqui a primeira verdade deste artigo: você pode tirar o escritor do mundo; pode excluí-lo; esquecê-lo por algum tempo; levá-lo na maciota e mantê-lo em quarentena. Mas o que não pode fazer é tirar o mundo do escritor. A coisa toda continua gravitando por dentro, às vezes pesa no peito. E não por se tratar de um escritor — não somos mais ou menos especiais —, simplesmente é o que seres humanos sentem quando são furtados da vida cotidiana (ou da vida como ela costumava ser). O peso do mundo entalado dentro do peito nestas épocas de isolamento social é enfadonho para todos nós, então o que os escritores fazem? Nós escrevemos.


Dessa maneira, achei justo escrever sobre o isolamento social durante os primeiros dias, e me vi perplexo ao notar que algumas das previsões ocorreram no decorrer das semanas. Em A Casa Faminta, um grupo de jovens decide fazer uma grande festa na mansão mal-assombrada. Lembro-me de pensar "Tudo bem, mas quem diabos faria algo tão estúpido em plena pandemia?". Ocorre que a realidade é mais estranha que a ficção e, no dia seguinte, depois de escrever toda a história, assisti da janela ao bando de adolescentes cruzando a avenida em frente a minha casa em um fuzuê móvel. Pode acreditar que estavam caminhando na direção de alguma farra organizada. E por que o fazem? A resposta não é tão simples, mas eis aqui uma hipótese bem boa: porque são jovens; porque a juventude é inconsequente e talvez todo ser humano se reserve o direito à sua própria incoerência, às vezes a escondemos dos olhares curiosos e às vezes somos incoerentes de maneira efusiva. Não é necessário dizer que A Casa Faminta é uma história novinha em folha, ao contrário das primeiras que publiquei na coletânea. Só trabalho sem diversão faz de mim um bobão. Portanto, vai lá, leia a história e tenha maravilhosos pesadelos. Clique aqui.


Outra história novinha em folha da segunda parte da coletânea é Uma pessoa boa. Considero uma espécie de releitura em formato de conto de um romance do Dean Koontz, O bom sujeito. Exceto que na minha história não é um sujeito, é uma mulher, a Andy. Não obstante é uma imigrante. Para mim, há uma zona de conforto ao escrever sobre imigrantes. Toda a minha família foi construída por eles, não só pelos que vieram ao Brasil, também por aqueles que foram aos Estados Unidos, França, Canadá, Suíça, Angola. Suas histórias são mais do que pistas sobre imigração, são dramas e tragédias que perpassam guerras e a batalha por uma vida melhor. Por outro lado, Uma pessoa boa é aventura cheia de ação e foi divertido produzi-la. Andy é a minha "Bruce Willis" em Duro de Matar e nunca vou descartar escrever sobre ela outra vez. Quer conhecê-la? Clique e leia.


A última história da segunda parte de Jardim de Inferno é A Batalha de Frida. Esta é uma história antiga. Lembro-me de tê-la escrito para a revista Trasgo, no entanto, por alguma razão da qual não consigo me lembrar agora —, não cheguei a enviá-la. Se pudesse chutar diria que nunca houve uma janela de submissões ou se houve simplesmente a perdi. Trata-se de uma história curta e é quase análoga às tirinhas de jornais. Embora me aventure sempre por histórias longas, escrevê-la foi como respirar antes ou depois do longo mergulho. Lembro-me também de admirar a coragem de Frida diante de seu pesadelo fóbico e de que suas aventuras continuaram depois que terminei de escrever. Se um dia alguém me perguntar, direi que Frida ainda vive fazendo todas as coisas de que precisa, vencendo suas batalhas uma a uma, reunindo coragem quando menos espera. Ainda gostaria de saber se a Trasgo a teria aceitado, parte de mim acredita que sim, mas acho que nunca saberei e isso dói um pouquinho porque Frida vive. Vamos lá, conheça-a, leia.


A segunda parte de Jardim de inferno termina por aqui, mas a coleção continuará e logo publicarei a terceira parte. As últimas semanas foram de dias difíceis, o carro enguiçou e o computador estragou. Ainda se encontram perfeitamente mortos, se tiver dúvida. Precisei escrever, revisar e editar da peça de cientista maluco formada por metade de um computador de mesa e metade de um laptop estragado. Uso um sistema com umas duas décadas de idade, mas consegui colocar no ar todas as histórias que programei, a despeito de algum atraso. Por isso mesmo comecei este artigo dizendo que o mundo não sai de dentro dos escritores. Em uma realidade distópica, em que a escrita fosse proibida e punível com a morte, nós seríamos os excêntricos que escondem livros, canetas e cadernos com suas anotações erráticas em paredes falsas. E por que faríamos isso? Seria um ato de coragem ou burrice? Uma característica resoluta ou apenas teimosa e decrépita? Não sei ao certo. Não sei responder metade das perguntas importantes e a outra metade provavelmente respondo de maneira errada. Mas tenho minha teoriazinha, ei-la. Insistimos em escrever porque a realidade precisa ser dobrada, a imaginação precisa ser praticada e deve existir lugar para desaguar o excesso que se acumula naquele outro lugar, o interior, entre a consciência e a subconsciência, local em que o cérebro pulsa imagens, fragmentos de sensações e trabalha como um soldado comunicador durante uma guerra, sempre por códigos. Nós somos como filtros dos sonhos, mas, em lugar de reter, precisamos exsudar. E exsudar, neste caso, é uma palavra danada de feia, mas eficiente. Essa é minha teoriazinha, e do que diabos sei?


Vou ficando por aqui, lembre-se: durante o período de pandemia, seja esperto e fique em casa se puder. Proteja-se e proteja as pessoas que ama. Aproveite e leia.


Do contrário, a Casa Faminta devora você.


Até mais.

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